Entrei num revigorante banho salgado. Expeli as mágoas que acumulei ao longo dos anos, lavando-as. Já não nos resta muito mais. O tempo encarregou-se de nos toldar o caminho onde o sol tantas vezes espreitou e sorriu, qual desenho infantil. Já nos temos perdido na bruma sebastianina, para depois nos encontrarmos em domingos de junho, mas parece que a primavera está a acabar e, em dias, junho não passará de uma recordação. Já não nos resta muito mais. Gastámos as palavras, gastámos as ideias, gastámos as vontades, gastámos as soluções. Palavras leva-as o vento e o vento erodiu as nossas. O vento erodiu-nos. Eu bem te disse que devíamos ter deixado as praias do norte e rumar às do sul. Lá há menos vento. O que há é quente e suave, como um sopro quente de paixão, um sussurro ardente, mesmo ao pé do pescoço, que arrepia sem causar frio, que arrepia sem desconforto, que arrepia e sabe tão bem. Lá, a sul, podíamos andar nus e quebrar barreiras. Podíamos ser um só, na ilha do espelho esverdeado e vermo-nos todos os dias assim, da cor da esperança. Da esperança no amor mais bonito que o mundo já conheceu.
Convido-te a ficar no espaço que construímos e decorámos com o coração, mas tu deixaste de ver o vermelho e mostraste-me o encarnado. O vermelho carne. Cru. Da carne crua. Da dor da saudade de quem está ao lado e tão distante. Ensinaste-me que não há maior saudade do que a de quem podemos tocar sem tocar o coração. Não há maior saudade do que a do riso dos teus olhos depois da ausência, da força da tua mão na minha, do teu abraço profundo e eterno, tão eterno que ainda hoje o sinto, mesmo que o meu coração me conte que tu já não. Esvaiu-se no tempo. Foste-o expelindo, como eu fiz com as mágoas naquele banho salgado. Talvez tenha sido água a mais, afinal a água lava tudo, só não lava as más línguas. E as más línguas dizem que, afinal, talvez não tenha sido a água, mas sim o tempo e que eu quero apenas enganar-me. As más línguas dizem também que não há maior cego do que aquele que não quer ver e que talvez eu seja assim. Mas eu quero ver. Só não quero ver e sentir a dor dilacerante de te ver partir no mar, de te ver partir no céu, num infímo ponto que procurarei pelo infinito. Muito menos te quero ver partir em terra, atrás daquela porta que sempre vi escancarada. Tenho medo. Tenho muito medo. Tenho pavor de portas que se fecham e me deixam a sós com o desamor.